Comentário ao Evangelho do dia (Lucas 19,1-10) feito por
Bem-aventurado João de Ruusbroec (1293-1381), cónego regular
Le miroir de la béatitude eternelle, (Trad. Louf, Bellefontaine 1997, v.3, p.220)
«Hoje é preciso que eu venha ficar em tua casa»
Algumas pessoas assemelham-se a Zaqueu. Desejam ver Jesus para saberem quem ele é, mas, para isso, toda a razão e toda a luz natural são de pouca importância. Essas pessoas correm, pois, à frente de toda a multidão e de toda a dispersão das criaturas. Pela fé e pelo amor, trepam ao cimo do seu pensamento, aonde o espírito se mantém desligado de qualquer imagem e sem qualquer entrave à sua liberdade. É aí que Jesus se vê, reconhecido e amado na sua divindade. É que ele está sempre presente em todos os espíritos livres e elevados que, amando-o, se elevaram acima de si mesmos. É aí que Ele transborda em plenitude de dons e de graças.
Ele diz, contudo, a cada uma delas: «Desce depressa, porque uma liberdade elevada do espírito só se pode manter graças a um espírito humilde e obediente. É que precisas de me reconhecer e amar como Deus e como homem, ao mesmo tempo exaltado acima de tudo e rebaixado abaixo de tudo. Desse modo é que me saborearás, quando eu te elevar acima de tudo e acima de ti próprio, em mim, e quando tu te rebaixares abaixo de tudo e abaixo de ti mesmo, comigo e por minha causa. Então, eu preciso de vir a tua casa, ficar nela e morar contigo e em ti, e tu comigo e em mim».
Quando alguém reconhece isto, o saboreia e o sente, desce depressa, não se apreciando em coisa alguma e dizendo com um coração humilde, desiludido da sua vida e de todas as suas obras: «Senhor, eu não sou digno, pelo contrário, sou indigno de receber (Mt 8,8), na morada de pecado que são o meu corpo e a minha alma, o teu corpo glorioso no Santo Sacramento. Mas tu, Senhor, mostra-me a tua graça e tem piedade da minha pobre vida e de todas as minhas fraquezas».
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